16.3.05
 
Meia-sola nas emoções

(errou. tente aqui, agora)

Declaro que desde janeiro sou vítima de um forte impulso consumista de DVDs. Tenho usado de quase tudo em minhas compras: promoções "leve 3 pague 2", meu desconto usual como funcionário de livraria, encomendas em lojas virtuais e visitas periódicas à banca aqui da esquina - atrás de algo que valha a pena encartado em revistas vagabundas. E, atenção srs. agentes da lei: é meu dever informar que a idéia de furto tem me parecido cada vez mais aceitável.

É claro que com isso o nível de cinema em meu sangue aumentou muito. Saltou dos 8 filmes habituais por mês para a alarmante marca de 20. Conectei meus aparelhos de som, TV e DVD num mesmo receiver e agora fico das onze da noite às quatro da manhã ligado a eles através de um fone de ouvido. Já não me alimento decentemente há semanas. Tenho flashbacks no trabalho. Me tornei amigo do balconista da Americanas. Estou perdido.

Mas ainda estou suficientemente lúcido para notar os efeitos mais graves dessa dieta - principalmente porque é fácil: para cada costela que aparece em minhas costas três novos filmes aumentam a pilha na prateleira. Portanto, antes que o inevitável aconteça, resolvi registrar algumas impressões dessa passada a limpo que estou dando em minha memória afetiva e pôr em teste aquela história de que você não assiste um mesmo filme várias vezes porque ele muda, mas porque você não é o mesmo a cada releitura.

Sendo assim - e antes que meus amigos, parentes e sabe-se lá quem mais rompam a barricada que fiz na porta do quarto - vamos desentocar essa turma toda e ver quem sobrevive à luz dos dias de hoje.

A Morte Pede Carona

Uma lástima. Eu realmente adorava esse filme e agora não sei duas coisas: a) onde estava com a cabeça e b) se o diretor Robert Harman chegou a aprender mais tarde como se monta um filme direito. A história começa no lusco-fusco de um amanhecer, daí chove e escurece tudo. Quando a água cessa o sol já está alto e segue assim até a sequência da explosão no posto, quando então retorna até a linha do horizonte para a entrada da Jennifer Jason Leigh. E o roteiro só não é o pior da coisa toda porque o C. Thomas Howell tá lá, defendendo bravamente o título de ator mais insuportável de sua geração.

Abaixo de Zero

Admito que só comprei esse pra combinar com o livro do Easton Ellis na estante. E com o cartaz original enfiado em algum canto. E com a trilha sonora que me roubaram. Lembro que a imagem auto-destrutiva do Julian no texto me pegou em cheio no final dos 80, e que também não entendi porra nenhuma da crítica que o Pepe Escobar fez na época do lançamento. Até aí tudo bem. Ainda não entendi o Speedball que ele havia escrito dois anos antes. Mas o filme é honesto e envelheceu bem. E sempre vale a pena escutar "Life Fades Away" na voz do Roy Orbison e saber que ela foi escrita em parceria com o Glen Danzig.

Hellraiser I, II e III

O primeiro pode ter uma porrada de defeitos, mas sempre vai morar em meu coração por ter sido feito no braço, sem grana e por ter surgido numa época em que o gênero de horror sobrevivia praticamente nas costas do Freddie Krueger. Agora, o restante da série só serviu pra confirmar que a história dos cenobitas quase não enchia um filme inteiro - quanto mais as outras, sei lá, oito ou doze continuações. Nem o Clive Barker tem saco atualmente para falar sobre o assunto. E o CD-Head do terceiro filme será reconhecido para sempre como o monstro mais ridículo da história do cinema.

Perdidos na Noite

Vejam vocês como são as coisas: recordo que fiquei chocado quando o Ratso Rizzo visita o túmulo do pai e surrupia as flores da sepultura ao lado. Prostituição e golpes tudo bem. Roubo de flores nem pensar. Mas minha opinião original não mudou: esse é - ao lado do Expresso Para o Inferno - um dos únicos filmes onde tolero a presença do John Voight.

O Bebê de Rosemary

O mais legal de ter revisto esse filme foi a confirmação que tive - vasculhando os extras - de uma suspeita antiga: o início se parece mesmo com aquelas comédias da Doris Day. Cara, que filmaço. A decisão de não mostrar a criança no final foi mesmo uma das maiores sacadas do cinema de horror. Por conta disso guardo até hoje uma imagem bem nítida dos olhos daquele bebê - herança direta de minha imaginação adolescente.

Alien e Aliens - O Resgate

Esses dois entram aqui apenas pelo caráter decorativo da coisa, uma vez que não tenho dúvida alguma que passarei mais duas décadas babando pela série toda. Somente um detalhe: não gostei muito da repaginada que deram nos caracteres do monitor do computador Mãe, no primeiro filme. Aqueles tipos toscos do final dos anos 70 tinham muito mais charme. E não adianta: dos quatro excelentes diretores que abraçaram o projeto, James Cameron será sempre o cara. Ser aluno de Roger Corman dá nisso. E o subtítulo que coloquei no segundo lá em cima não é capricho, não. Era esse mesmo o nome que deram pro filme na época do lançamento. Tenho uma edição da Cinemin daquele período pra provar.

Apocalypse Now - Redux

Anos atrás, quando essa nova versão foi lançada, me lembro das reclamações que ouvi sobre o filme ter ficado exaustivo com os quase 50 minutos a mais. Não consigo entender. Pra mim, ele poderia muito bem ter o dobro da duração original que não haveria problema algum - pelo contrário. E ainda assistiria instalado novamente nas cadeiras estúpidas da Cinemateca.

Seven

Também somente a título de ilustração. Mas faça o seguinte: selecione o capítulo 02 - o dos créditos iniciais, uma das últimas maravilhas que o Saul Bass nos deixou antes de nos deixar - e quando o counter do seu aparelho marcar 1:10 acione o slow e desacelere o máximo que conseguir. Em 1:13, logo após a foto da criança ser toda rabiscada, você lerá no lado esquerdo da tela: "Mills will be you". Como você sabe, detetive Mills era o personagem do Brad Pitt e, como todos nós sabemos, a sorte que o destino lhe reservou no final não é algo que se deseje. Pois é. É David Fincher se aquecendo antes de um certo Clube da Luta.

Os 12 Macacos

Ah, sr. Gillian... rever apenas dez minutos de qualquer um de seus filmes já é suficiente para trazer uma grande tristeza. Aqui, especificamente, também alegria pelo resultado final de seu primeiro trabalho como diretor contratado filmando um texto que não era seu. É um paliativo de gosto estranho (amenizado pela minha inclinação à ficção científica) rever e rever esse filme enquanto sua verdadeira obra-prima - O Barão de Munchausen - permanece no limbo à espera de seu lançamento em nosso varejo.

Meu Ódio Será Sua Herança

Obra-prima o cacete. Quase me processei quando terminei de rever essa tralha. Peckinpah talvez tenha sido o diretor de westerns mais sem estilo de seu tempo. O único capaz de criar uma verdadeira proeza: o cinema tosco acadêmico. Até mesmo quando o quebra-pau (ou um tiroteio) parece pegar fogo de verdade, vemos lá a caretice dos cortes, a redundandice dos closes e a bunda-molice dos planos. E quando o carisma de um trambolho de 142 minutos se arvora na figura do Ernest Bornigne, meu amigo, você está vendo o filme errado. Tô vendendo por vintão. Se levar junto o A Morte Pede Carona faço por trinta.

Amnésia

Filminho danado de bão de se rever em DVD, principalmente pela opção da cronologia correta presente nos extras. Mas confesso que ainda não entendi: afinal, a mulher do Lenny: a) sobreviveu ao assalto, b) foi acidentalmente morta por ele ao receber duas vezes uma injeção de insulina ou c) está em coma irreversível até hoje?

Chinatown

O cartaz desse filme foi responsável pelo despertar de um lado fetichista meu até então insuspeito. O problema foi isso ter acontecido numa época em que adquirir pôsteres (ou qualquer outra coisa sobre filmes) demandava um esforço que, só de lembar, me dá preguiça até hoje. Revê-lo ressalta o espírito de porco que costumava admirar no Polanski. Do nome do conjunto residencial - El Macondo - à frase do John Huston ("políticos, edifícios e prostitutas se tornam respeitáveis com o tempo") tudo no filme é pontiagudo. Quase não dá pra acreditar que o mesmo sujeito fez aquela porcaria do Pianista. E só ele e mais uns três, naquela época, tinham culhões para jogar nas fuças de um grande estúdio um filme policial cuja história gira em torno de uma mãe protegendo sua filha do pai incestuoso que a gerou.

Cães de Aluguel

Macacos me mordam. Somente agora me dei conta de duas coisas:
- O Harvey Keitel (Mr. White) fuma um cigarro apagado durante toda a abertura.
- O Nice Guy Eddie (Chris Penn) não leva tiro de ninguém e mesmo assim cai todo ensanguentado no trecho final. (se bem que aqui me pergunto se o responsável não foi o Steve Buscemi, escondido embaixo da rampa)
Outra coisa bacana de ver, além dos extras, são os populares encostados em postes, muros e carros - observando ao fundo as filmagens da sequência de perseguição na rua.

A Primeira Noite de Um Homem

Excelente, não importa quantas vezes o veja. E o mais legal de tudo é que jamais saberemos se o Ben disse a verdade para a ms. Robinson, naquele primeiro encontro, o que coloca em dúvida o título em português. O primeiro filme "odiado pelos meus avós e amado pelos meus pais" que tive notícia.

Mississipi em Chamas

Tenho que dar um jeito de arranjar os quatro Alan Parker básicos de qualquer coleção. Agora que tenho esse só me faltam os Expresso da Meia-Noite, Coração Satânico e Commitments. A sequência em que Gene Hackman desmonta uma barbearia com o corpo do Brad Dourif enquanto vocifera na cara deste "você sorriu esse mesmo sorriso idiota quando bateu na sua mulher?" continua sendo um dos momentos mais lindos do cinema.

O Silêncio dos Inocentes

O que mais continua incomodando - ou melhor, o que mais se tornou evidente ao longo dos anos - aqui é a bichice do Anthony Hopkins. Quando eu lia, na época, descrições como "elegante" ou "sofisticado" referindo-se ao dr. Lecter eu achava que tinha assistido algum outro filme, por engano. A atuação dele é caricata, exagerada, cômica e confirmada pelo próprio. Mas ainda é um grande filme com pelo menos uma grande sequência - aí sim - merecedora de prêmio. E o Jonathan Demme tem mesmo cara de diretor de comédia.

Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?

Só havia assistido esse filme uma única vez, confesso, e numa época errada: por volta dos meus 16 anos num Corujão dessas madrugadas aí. Engraçado notar que ninguém precisa ser um grande especialista nos textos de Edward Albee para reconhecer que ali foi estabelecido um novo padrão de crueldade e desrespeito familiares. Mas gostaria de entender um pouco mais de Mike Nichols para poder dizer com certeza se a cena final é de amor ou loucura, pura e simplesmente.

Edward Mãos de Tesoura

Se for para ter em casa pelo menos um Tim Burton, que seja o Marte Ataca. Na falta pode-se escolher entre os dois melhores Eds que ele já fez - esse e o Wood.

Coração Selvagem

Alguém aí se lembra que o Ritz já foi um grande cinema? Foi lá que assisti a estréia desse, com fila no calçadão da XV, pipoqueiro e tudo. Me lembro de duas coisas: que não havia visto nada tão violento até então e que saí de lá louco pra arranjar uma jaqueta de couro de cobra que também servisse como um "símbolo da minha individualidade e crença na liberdade pessoal". Se havia funcionado praquele cara de carteiro do Nicolas Cage, comigo não haveria de ser diferente. Por sorte no dia seguinte já estava curado do porre e a idéia brilhante tinha sido devidamente esquecida.

Clube da Luta

Hoje, passados cinco anos e após tanto rever e reler filme e livro, acredito que já dá para comentar a respeito sem que a testosterona atrapalhe o juízo. Penso que os "filmes da vida" de cada um de nós sejam mesmo assim, acidentais, encharcados de uma perigosa subleitura e que nos fazem agir como adolescentes defendendo suas "idéias". E aqui é fácil entender porque muita gente gosta desse filme pelos motivos errados - e o mesmo tanto desgosta pelos mesmos motivos. Há aqueles que ouvem nele coisas como "fomos criados através da TV para acreditar que um dia seríamos milionários e estrelas de cinema. Mas não somos. Aos poucos tomamos consciência do fato. E estamos muito, muito putos" e esquecem que isso faz parte de um conceito intencionalmente surreal, intencionalmente metafórico. O outro time sente-se ameaçado naquilo que lhe é mais caro: seu lado hedonista - portanto plenamente merecedores de tomar porrada do Tyler Durden. Com certeza um dos meus 10 de todos os tempos. E aquele final teima em me arrancar uma lágrima ao som do Pixies.

Era Uma Vez No Oeste

O que mais assusta aqui é imaginarmos o quanto essa maravilha poderia ter engrandecido se a idéia inicial do Sergio Leone tivesse sido levada a cabo: colocar o Clint Eastwood, Lee Van Cleef e Eli Wallach (recém-saídos com honra da "trilogia dos dólares") para levarem chumbo na sequência de abertura. Aí meu caro, caso isso fosse realmente filmado, não teríamos apenas o melhor western que já vi na vida. Teríamos um monstro.

Por enquanto é o bastante. Ainda tenho que finalizar a caixa do Poderoso Chefão e as pancadas na porta não dão sinal que irão acabar tão cedo.

 

 


Faltam apenas para o seu mais espetacular acerto de contas contigo mesmo.
TRALHA ENCOSTADA NO CANTO:
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