31.12.05
 
Uma ou duas considerações finais sobre equalidade mas - thanks god - nenhuma sobre simetrismo.

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Uma boa pedida para amanhã - ou, como desejar, para o próximo ano - é você dar tudo de si para descobrir não a QUEM, mas a QUÊ você pertence.

A qual espécie você acha que faz parte, sua marca, ano e modelo e qual o nome da sua laia. Outra boa pedida seria, quando encontrá-la, manter-se apenas próximo. Deixar de lado a integração será bastante útil no futuro quando surgirem as competições comparatórias do tipo "meu problema é maior que o seu" ou "minha solução é mais besta que a sua". Pense bem: se isso já faz bastante sentido agora, quando você somente se imagina num time composto por dezenas de você mesmo, imagine depois.

Costumo manter em reserva um pacote de pirulitos Zorro que tenciono comer até intoxicar, em comemoração ao dia que terei plena certeza de estar a meio caminho de saber qual é a minha. Por enquanto, o único sinal de que isto está firmemente mirado no horizonte é o fato do meu nome aparecer numa etiqueta grudada no tal pacote. Com a grafia errada, bem sei, mas que diabos. Pelo menos com alguma coisa eu já deveria ter me acostumado.

Outra idéia que me pareceu um bom começo para essa expedição-em-busca-daquilo-que-determina-sua-identidade: classificar todos os meus tubarões interiores. Aqueles mesmos, que não podem ficar quietos senão morrem afogados e te arrastam junto pro fundo. Dos enormes, com o corpo todo lanhado e coberto de fungos aos do tamanho de girinos. Dos que não te deixam em paz um segundo aos que você sequer lembra que existem.

(Esses últimos você conhece bem: costumam fazer morada 7km abaixo do alcance do seu sonar e adoram surgir inesperadamente - como leviatãs - levando-o a, num exemplo remoto, rosnar para aquele cliente imbecil que é somente um pouco mais imbecil que os outros.)

Um tempo atrás eu achava que o ideal seria tentar ficar maior que meus tubarões interiores. Sabe como é, pra poder domar os mais salientes e evitar problemas. Hoje tenho quase certeza que o correto é ficar do mesmo tamanho. Uma equivalência harmônica em longitude e latitude para cada um deles que, acabei descobrindo, são muitos. E carentes de respeito.

(a partir daqui, clique aqui)

Foi no meio desse processo de nomeação - deitado na cama, de olhos fechados enquanto flutuava num azul infestado de barbatanas - que me surgiu a grande questão acerca de, principalmente, metas alcançadas. Pense bem: quando você chegar lá (e se você chegar lá) qual será sua sensação ao desconfiar que não foi exatamente você que chegou lá?

Minha maior contribuição para o acervo do Museu dos Vencedores é, na verdade, uma dúvida em forma de camundongo que quero que se aloje em sua Sala de Troféus. Pense bem: foi você que cresceu à altura de seus desejos ou eles que regrediram ao seu tamanho? Ao longo do tempo, de toda a sua busca, foi você que subiu ao encontro daquilo que sua fome o impeliu ou foi isso que decaiu até você?

Tenho somente duas importantes resoluções para 2006: 1) descobrir em minha fuselagem onde está afinal o número do chassis e 2) parar de mijar em pias. Você bem sabe que chegará aquele momento de sua vida em que você terá de tomar uma decisão. Portanto uma outra boa pedida seria você treinar sua pontaria antes, tomando subdecisões como essa que decidi nesse instante: cumprirei o item 2 quando - a exemplo dos pirulitos - a fatura do item 1 for inteiramente liquidada.

Até lá, façam um balanceamento de seus karmas, vejam direitinho onde vocês colocam os dois extremos de seus sentimentos e, mais importante de tudo: monitorem-me quando estiver visitando seus lares.
 

 

24.12.05
 
Perfectomondo

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Um dia terei reunido número suficiente para compor meu exército de soldados omissos. Nesse dia publicarei e elevarei à condição de Constituição meu Manifesto pela Manutenção da Falha Humana. Meu mundo perfeito começará nesse dia.

Uma quantidade suficientemente razoável de indivíduos decididos a marchar por sobre o Mundo Corporativo Moderno, dobrá-lo como mato seco e rechear o ar em volta com as cinzas de seus preceitos infalíveis.

Abriremos clareiras no centro de praças e o brilho causado pelo incêndio nos livros do Lair Ribeiro poderá ser visto em Marte. O brilho causado pelo incêndio no próprio Lair Ribeiro quero que não seja visto por ninguém - numa espécie de homenagem final à altura de sua importância.

A visão mais linda de todas as visões mais lindas: milhares acompanharão através de uma TV prestes a pifar os resultados de uma gigantesca cruzada em nome da negligência e do descaso. A busca pela imperfeição será a ordem de todos os dias. A falta de valores será valorizada como nunca desde Calígula. O colapso resultante dará o tom das cores desse meu novo Midgard.

Sem perceber, você acordará num dia de 17 horas. No outro, a noite demorará uma semana para surgir. A soma de tanto desmazelo será suficiente para alterar a rotação da Terra. Compromissos serão matéria-prima de piadas desgastadas pelo uso e pelo tempo.

Batizarei meu exército com a versão gaélica do inglês "kiss my ass": Pogue Mahone - e erguerei uma estátua do tamanho de um prédio com a figura daquele que a cunhou primeiro: Shane MacGowan. Ou melhor: construirei milhares de estatuazinhas dele e as espalharei por toda parte para que todos possam tropeçar em cima, num mundo onde a incúria será o lema dominante.

No mundo que penso em lhe deixar como herança, tudo funcionará mais ou menos somente uma vez. Na próxima tentativa, o grampeador que você tem em mãos se partirá ao meio, a chave entortará na ignição e o isqueiro explodirá seus dedos, transubstanciando lenda em fato. De lado a lado, do alto do prédio mais torto e mais alto, 360 graus de outros prédios inclinados recortarão o horizonte do meu paraíso desleixado.

E você, cara senhora, idosa e simpática, com seu passo miudinho e sua roupa branca, será o General de minhas tropas. Você mesma, que ontem vi desembrulhando um sorvete na esquina da Getúlio Vargas com a Ângelo Sampaio, jogando em seguida o papel melecado numa lixeira.

E que, igualmente em seguida, sem sequer olhar para os lados, decidida e serena, enfiou a mão nessa mesma lixeira, recuperou esse mesmo embrulho e o jogou novamente - dessa vez na grama.

Sinceramente, não quero nem saber quais foram seus motivos e muito menos perder tempo em descrever meu impacto. Ninguém quer saber o que sentiram aqueles que viram Genghis Khan pela primeira vez. A legenda simplesmente passa - como você passou devagarinho em frente ao meu carro - e o que resta ao nosso alcance é dar um pouco mais de sobrevida àquilo que isoladamente percebemos numa seqüência de segundos.

Às civilizações que isoladamente criamos e destruímos entre o vermelho e o verde de um semáforo.

(ah, sim: feliz natal, cambada.)
 

 

17.12.05
 
Snap

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O consultório da Rep. Argentina fica no segundo andar. Se tiver sorte - e se você for bem rápido - basta se inclinar um pouco pela janela pra conseguir ver, bem a tempo, o meio-fio da canaleta do expresso desaparecer à esquerda numa curva.

Há dez minutos atrás estava sentado na salinha de espera com uma revista apoiada nas pernas. Agora estou deitado de bruços numa maca e com um oftalmologista apertando minha lombar.

- Ortopedista - me corrige ele.
- Como?
- Ortopedista.
- Pois é. Foi o que eu disse.
- Não. Você acabou de me perguntar: "há quanto tempo você é oftalmologista?".
- Ah. Pois é. Nem me toquei. E aí? Há quanto tempo?
- Cinco anos clinicando fora a residência.

Em cinco anos uma coleção de lápis, qualquer lápis, mantém o viço do esmalte que o recobre não importando onde você a guarde. Em cinco anos a parede para onde olho agora será pintada cinco vezes com exatamente a mesma tinta, porém branca. Há cinco anos atrás ninguém sequer se importava com o destino desse imóvel.

- Há quanto tempo você trabalha nesse consultório?
- Ele é da família da minha mulher. O prédio inteiro foi erguido há quatro anos e meio, mais ou menos.
- Bingo.

Assim que ele se afasta me ergo e visto a camiseta. Sento-me à frente de sua mesa e ele pergunta:

- E aí? Estiramento com a dança do marinheiro, de novo?
- Não. Fazendo um crucifixo invertido.
- Fazendo o quê?
- Crucifixo invertido. Aquela série de trabalho muscular em academia. Você pega um halter em cada mão, se inclina feito um macaco em frente ao espelho e ergue os braços feito um retardado tentando voar.
- Faz tempo que você faz isso?
- Faz tempo que não faço. Voltei há uma semana, depois duns dois anos sem treinar porra nenhuma. Desacostumado, me inclinei demais.

Novamente o bloco, a caneta e o rabiscar.

- Teu problema aí é a possibilidade duma hérnia. Tem que tomar cuidado ao se inclinar. Se lesionar repetidamente vai direto para uma cirurgia de remoção de cisto intravertebral.

Apanho o receituário e vejo ainda recente os três furos que o martelar da caneta fez no canto inferior esquerdo.

Me pergunto se existe alguma lista no mundo onde estão todas as formas médicas de se encerrar uma consulta conveniada o quanto antes. Me lembro de algumas:
1: aquele estalar de língua no canto da boca como quem diz "beleza então, rapaz? pegue essa receita e desapareça";
2: o bater simultâneo das palmas das mãos na beirada da mesa - enquanto o dito se inclina um pouco pra frente, como se estivesse prestes a acionar o mecanismo ejetor em direção à estratosfera;
e, claro, 3: as três marteladas com a ponta da bic no canto inferior esquerdo da receita.

- Só mais uma coisa. - digo.

Ele finaliza o engavetamento do bloco e carimbo e me olha.

- Sim?
- Quais são as chances de um não-acontecimento acumulado por muito tempo acontecer de uma vez só?
- Como?
- Quais são as chances de um sujeito que jamais quebrou um osso por mais de trinta anos acabar moendo o corpo inteiro numa única vez?

Ele me encara por alguns segundos, em seguida tenta olhar janela afora mas desiste.

- Por exemplo. - acrescento.

Ele ergue as palmas das mãos para cima junto com os ombros e sorri.

- Não acredito que haja algum tipo de levantamento estatístico pra isso.
- Mas você deve se lembrar. Em três anos clinicando fora a residência.
- Cinco.
- Em cinco anos clinicando fora a residência. Nunca apareceu alguém dizendo: "puxa doutor, minha mãe tinha razão. Ela sempre dizia que quando um fulano nunca se quebra, quando se quebra é pra valer" ou algo semelhante?
- Olha, sinceramente... mas porque isso? É alguma pesquisa?
- Na verdade, só tô tirando uma cisma. Fazendo um paralelo.
- Bom... sei lá. Acho que não é tão simples assim. Não basta você nunca ter quebrado um osso na vida pra quebrar todos de uma hora pra outra. Você tem que considerar o quanto você tá exposto a esse tipo de risco. As chances são maiores pra quem pula de pára-quedas todo dia do que pra quem trabalha num escritório, por exemplo.
- Sim, sim. Eu sei. É exatamente esse ponto que me interessa. O fator exposição. Qual a lógica de um eterno não-acontecimento para alguém diariamente exposto a esse risco?
- Você pergunta qual o sentido de algo jamais acontecer com alguém que está sempre propenso a isso?
- Exatamente.

Ele se recosta na cadeira.

- Bom... acho que aí a gente acaba entrando num terreno metafísico demais pra ser discutido. Tem a ver com regras e exceções, com cálculos de probabilidades, coisas que nem sempre nos damos conta, etc. Não faz parte do meu dia-a-dia profissional, por exemplo. Aí fica difícil.
- Eu sei. Mas fiquemos com o exemplo do pára-quedista, então. O sujeito pula de um avião todos os dias, por algum motivo, durante trinta anos e absolutamente nada acontece. Imagine que, por um momento, ele comece a se perguntar qual a razão de existir a possibilidade dele se arrebentar inteiro, já que ele jamais se quebra. Qual o sentido de existir algo que você sabe que é perfeitamente capaz de ocorrer com você, mas que nunca ocorre? Qual o sentido dessa eterna eminência?

Ele coça a barba debaixo do queixo e estende a mão em minha direção como se estivesse rejeitando mais uma rodada de cerveja.

- Peraí, que agora o troço ficou confuso. Tem certeza que é sobre quebrar ossos que você tá falando?

Deixo que meu silêncio responda. Ele continua:

- Você se refere a quebrar ossos ou "quebrar ossos"? Você tá falando sobre se a...
- Opaopaopaopa - interrompo. - não precisa mencionar.

Penso em lhe dizer sobre minhas intenções em transcrever o diálogo para um blog cujo conteúdo permanece até hoje intocado pela palavra quase dita, sobre fidelidade a certas tradições, etc, mas deixo pra lá.

- Ok. - continua ele - Mas então me diga o que afinal te preocupa: a possibilidade de quebrar todos os ossos de uma vez só, já que isso nunca aconteceu até agora, ou ficar filosofando sobre o porque-da-existência-de-uma-possibilidade-que-nunca-ocorre? Ao meu ver, uma coisa meio que mata a outra, não?
- Mata.
- Pois então. Na minha terra isso se chama burrice. Nesse caso, ou você se preocupa com uma coisa ou com nenhuma.

Ele sorri. Meus temporais não se movem um milímetro. Ele continua:

- Tá bom, mas agora me responda uma coisa que fiquei curioso: você nunca chegou nem perto de "quebrar um osso"?

Como num surto de eidese, o cheiro de grama recém-aparada explode em minhas narinas como se o hiato de cinco anos desidratasse ao tamanho de cinco minutos. Se me desligar só mais um pouco consigo divisar o batente descascado daquela porta de madeira - 90km daqui.

- Já. - respondo.

No jaleco branco que ele usa e que tomo como tela para projetar essas lembranças, o entorno da porta engrandece e a panorâmica é preenchida pela fachada de uma casinha de madeira de quatro peças, cortador de grama com o motor ainda quente encostado numa árvore, fibras verde-claro pousando lentamente por todo o jardim.

- E como foi? - continua ele, agora inclinado para a frente. Me pergunto se existe alguma lista no mundo onde estão todas as formas médicas de se mascarar um interesse genuínamente pueril com um verniz de análise clínica.

São seis ou sete passos do portão até a porta. Pisco agora os olhos como pisquei há cinco anos atrás, cego pela mudança de claridade. A escuridão da sala regride e se refugia nos cantos, nas bordas dos móveis encostados na parede, nos quadros pequenos pendurados em diagonal e na faixa de cabelos escuros que desce suas costas enquanto dobra lentamente uma pilha de roupas retiradas há pouco do varal.

- Eu a tinha conhecido dois dias antes - respondo. - recém-solteiro numa cidadezinha distante menos de uma hora daqui.

À sua esquerda, perto do telefone, o objetivo da minha visita: dois CDs que eu havia deixado na noite anterior. As evidências mais visíveis da minha intrusão em seu universo simples e terrivelmente lógico de moça do interior - e mesmo assim ela não percebe minha presença. Decido fazer algum comentário a respeito quando a ouço murmurar baixinho a melodia.

- Imagino que ela não precisou fazer muita coisa. - ele supõe.
- Você não tem idéia do pouco que ela precisou fazer.

Somente essa imagem. Alheia a tudo ao redor, recém-invadida por um mundo completamente diferente do seu, de costas para mim, cantarolando uma música que ela jamais tinha ouvido antes.

Fico ali durante todo o tempo, paralisado no meio daquela sala e com seus cabelos à distância de meu braço, sentindo o violento torpor inicial indo embora. Às cegas, dou dois passos soleira afora e silenciosamente desapareço da casa, do jardim e, dois dias depois, da cidade.

- Você não tem idéia do quanto ela não sabe o que fez. - completo.
- O mais perto até agora de "quebrar um osso".
- É.

Em cinco anos uma coleção de lápis, qualquer lápis, mantém o viço do esmalte que o recobre não importando onde você a guarde. Em cinco anos a parede para onde olho agora será pintada cinco vezes com exatamente a mesma tinta, porém branca. Há cinco anos atrás alguma outra pessoa encontrou dois CDs no meio de uma coleção em que Lou Reed certamente se sentiria ofendido e pensou em perguntar a respeito. Imagino que essa pessoa tenha olhado para aquela faixa de cabelos escuros dividindo suas costas, possivelmente lavando a louça - e desistido.

- Bom - diz ele, apoiando as duas mãos no tampo da mesa. - "quase" já é alguma coisa. - e sorri, levantando-se, no que é imitado por mim. Ele continua, apertando minha mão: - Cuidado com as danças de marinheiro e os crucifixos. Até outro dia.

Sorrio, afirmativamente.

A espécie humana possui o maior senso de auto-preservação de toda a natureza. Um suicida no alto de um prédio, completamente convicto do pulo, procura instintivamente um lugar para se agarrar quando um vento mais forte balança seu corpo. O disparo muscular que pôe os membros em alerta corre na velocidade do som. Talvez seja por isso que é tão difícil torcer o tornozelo por conta própria.

Me apóio no pé direito enquanto viro seu dorso rapidamente pra fora do eixo do meu corpo. Um estalinho sobe pela minha canela junto com o estiramento. Faço um semicírculo desequilibrado em volta da cadeira onde estava sentado e me apóio no encosto, pé levantado como uma garça corcunda posando para uma foto. Apalpo o tendão e sinto a temperatura da região crescendo alegremente.

Ainda sorrindo e mancando a meio caminho da porta me despeço:

- Volto em três dias.

E desapareço escada abaixo.

 

 

10.12.05
 
As últimas notícias do mundo

(errou. tente aqui, agora)


hello, stranger


Ainda com o mesmo espírito do post anterior, mas um pouco mais urgente: que tipo de pessoa você acha que consegue ser em 31 anos? Pense bem, mas pense rápido. Três décadas parecem uma vida, mas são uma miséria pra quem trabalha numa NASA dessas e precisa bolar urgentemente um jeito de desviar um asteróide de quase 400m de diâmetro que parece estar com uma idéia muito fixa de penetrar nosso mundinho.

Apophis é o nome da criança e sua foto está aí em cima, plácida, bela e enganadora.

Em 31 anos tenho tempo de sobra pra me sentir como um highlander e cometer todos os erros dos últimos trinta, tudo de novo. E de novo até o último instante - quando então (typical me, typical me) resolverei fazer a barba e matutar no que realmente deveria ter sentido quando minhas horas passaram a ser numeradas.

É óbvio que nada de relevante me ocorre nesse momento, mas desconfio que quando tiver os meus 64 anos, sentado em minha cadeira de balanço e esperando uma pedra de meio quilômetro me acertar os cornos, irei sentir falta de pelo menos uma coisa: a trilha sonora ideal.

Por aqui acho que já é um bom começo. Em 31 anos tenho tempo de sobra pra inacabar um monte de coisas, mas não posso negligenciar o mais importante de tudo: o que ouvirei nas últimas 24 horas deste/neste planeta.
 

 

8.12.05
 
Salvo, afinal

(errou. tente aqui, agora)

Imagine-se, meu caro, numa determinada idade da vida em que você resolve iniciar um longo e prestimoso período de bons serviços à sociedade, balanceando o nível de karma e colesterol, criando conforto para receber conforto, desesperadamente tentando limpar as máculas do que só seu coração sabe e sente.

Você faz um acordo tácito com sua consciência, porque você lê num livro de auto-ajuda que o segredo de um além-túmulo feliz é bater as botas com ela em dia e limpa. O que demanda um puta esforço, é bem verdade, mas que afasta a idéia de um inferno todo próprio ejetado a partir do que compõe suas células cerebrais. O segredo, pensa você, é acreditar que você não merece isso.

Imagine-se, meu caro, numa determinada idade da vida em que você finalmente deixa o mundo 21 gramas mais leve.

Sua família, ou quem quer que tenha em mãos a responsabilidade pelo seu passamento, foi a única coisa em que você esqueceu de deitar um olho mais acurado - e você não sabe dizer exatamente em que momento de sua corrida pelo bem-estar mundial isso acabou acontecendo.

Mas o fato é que você agora está ali, inerte, desaparecendo e se transformando num incômodo que precisa - a despeito de toda a santidade alcançada - ser removido.

Então, veja você, sua família tem a brilhante idéia de erguer uma última homenagem à altura de seus feitos mais recentes - e enterrar seus restos NUMA CAIXA DE PERFUMES DO BOTICÁRIO.

Imagine-se, meu caro, num determinado momento do pós-vida em que você alcança o outro lado do Aqueronte a bordo de um troço desses.

Prefiro ficar insepulto.

 

 

7.12.05
 
One is the beginning

(errou. tente aqui, agora)



happy birthday, s.o.b.

7 de dezembro é dia de comemorarmos a sábia e saudável decisão que os pais de Tom Waits tiveram naquele longínquo março de 1949:

Copular.

Comemoro e peço: me faça o favor de não morrer antes que eu embarque para ver uma apresentação sua, uma vez que desisti totalmente de vê-lo por essas bandas.

Portanto, Wilbur meu caro, arrume esse pardieiro que em abril darei descarga em NY.

(Exatamente, sr. Evidentemente temos uma música para esse dia, em nosso cardápio.)
 

 

5.12.05
 
Minha segunda-feira querida parte 5

(errou. tente aqui, agora)

 

 

3.12.05
 
Rubberneck

(errou. tente aqui, agora)

Das coisas que sobem à superfície quando converso com a Carne.

Demonstrações de felicidade não são exatamente o meu forte, você bem sabe. Pelo menos as mais comuns. Não acho que a grande maioria mereça ser sinalizada, afinal. Entretanto, quando o pouco controle que tenho sobre meu corpo vira fumaça, é exatamente aí que resolvo externá-las através de um headbangin' rápido e - se o descontrole instalar casinha - interminável.

Sim, eu sou aquele cara que você viu outro dia, aguardando o semáforo enquanto batia a cabeça a centímetros do volante.

Lembra quando você estava assistindo ao Marcas da Violência, algumas semanas atrás? Cerca de cinco poltronas à direita da sua era o meu nariz que o rabo do seu olho via, martelando o ar em arco como um picapau bêbado.

Por volta dos meus quatro anos tive um surto curto e intenso de felicidade explosiva quando ganhei um trem de lata. Estava sentado no chão, encostado à parede de madeira junto com meus primos quando Noel em pessoa anunciou meu nome. Minha nuca estava perto de um prego que eu não havia visto. Três curtíssimos headbangin' e um mês depois uma verruga cresceu no lugar do ferimento - só para ser removida cirurgicamente 26 anos adiante.

Felicidade é ter um centímetro a mais de coluna vertebral, ano após ano.

Guardo numa memória mais que afetiva a reação de minha professora de matemática, ao me ver atravessar um corredor de cinqüenta metros em 7 headbangin' - na mão direita o boletim que me lançaria à série seguinte.

Minha felicidade me custou um valor razoável em óculos e relaxantes musculares.

Ao longo de um tempo menos exibicionista, desenvolvi técnicas para bater cabeça em público sem ser visto. Dentro de um ônibus em movimento, lendo numa praça, nadando na praia. Sabiamente desisti de tamanho trampo e hoje só evito fazê-lo quando trepo, em respeitosa salvaguarda do nariz alheio.

A felicidade é um feixe bem azeitado de tendões, músculos e cartilagens num constante balançar eventualidade afora. Pois é. É do meu pescoço que me refiro.

Minha expressão máxima de felicidade pública me regride a um estado sensorial semianimalesco - e sim, eu amo muito tudo isso:

Pra começar, algo leve. Faça um teste e veja o quanto a proximidade de um torcicolo pode ser prazerosa, redentória e renovadora da flora cerebral.

Por via das dúvidas, afaste-se do monitor.

 

 


Faltam apenas para o seu mais espetacular acerto de contas contigo mesmo.
TRALHA ENCOSTADA NO CANTO:
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