A última do ano
(errou. tente aqui, agora)
Um sujeito caminha em minha direção, perto do dia 25, e pergunta:
- Por acaso você não tem alguma gravação da Ave Maria de Gounod cantada pelas baleias?
Juro.
Minha segunda-feira querida parte 4
(errou. tente aqui, agora)
Diagnóstico para um mundo melhor
(errou. tente aqui, agora)
Um garoto de não mais que 19 anos se aproxima de mim, na loja, e diz:
- Meu pai falou de um filme de ficção científica aí, que ele acha que tem em DVD e que é um marco no gênero e tal... só que esqueci o nome, caramba...
- Lembra de algum ator, diretor, pedaço da história?
- Parece que tem uns robôs, tiroteio, perseguição, essas coisas.
- Aí você descreveu 98% do que já foi feito sobre o assunto.
- Peraí, deixa eu ligar pra ele.
Ele saca o celular, liga, faz uns "anhã", "unhã", "sei", desliga e declara:
- Blade Runner. O nome do troço é Blade Runner. Você conhece?
E eu fico ali, em silêncio, olhando pra cara daquele rapaz e não tendo - por um longo tempo - reação alguma. Quando afinal lhe entrego o DVD (o director's cut, que tive que esperar quase vinte anos para pôr os olhos em cima) dois pensamentos acertam meu pâncreas como um gancho:
* Eu vi a estréia desse filme, no Astor, por volta de 83/84.
* Decididamente, minhas referências viraram arqueologia.
***
Hoje, às dez da manhã e com o auxílio do cabo de uma escova, espremi um tubo de creme dental contra o azulejo do banheiro. Quando ela obviamente se partiu (arremessando sua extremidade mais pontiaguda contra meu olho direito, porém ricocheteando na lente dos meus óculos) dois pensamentos explodiram em meu baço como um uppercut:
* Nada é rápido, estranho ou pesado o suficiente que não possa desaparecer dentro do box de um banheiro.
* Demorou, mas consegui: ceguei meu doppelgänger.
***
Trinta dias e dez coisas que odeio em você:
* Sim. Tem gente que se aproxima de um vendedor de CDs e cantarola uma musiquinha, por não saber a porra do nome - muito menos em qual disco se esconde.
* Nêmesis existem. Você ainda vai encontrar a sua.
* As pessoas compram coisas que jamais viram e/ou ouviram - simplesmente porque a Veja recomendou.
* Tem gente que quer - necessita - ser furiosamente admoestado e/ou espancado. A carência em seu grau mais elevado o leva a quase implorar por isso, enquanto vendedores mal-humorados o atrai na mesma medida em que é repelido como o leproso que nunca deixou de ser.
* Sim. Existem aqueles que tentam trocar um disco porque se arrependeram inútil e tardiamente de seu gosto pavoroso. E quase sempre por algo ainda mais estúpido que a compra anterior. E sim, existem vinte maneiras diferentes de um vendedor rir sobre o assunto.
* Por sinal, todo cliente é alvo de comentários - sem exceção. O máximo que você pode fazer a respeito para minimizar os efeitos é entrar na loja, apanhar o que quer e desaparecer em segundos.
* Algumas sugestões para você substituir aquele "só estou olhando, obrigado" manjado e imbecil que sua mente amorfa não é capaz de criar sozinha: "só estou roubando, obrigado", "só estou cagando, obrigado", "só estou babando, obrigado" e "só estou aqui sozinho há horas, olhando feito uma besta para todos esses CDs enfileirados a perder de vista porque sou um maldito desgraçado cuja experiência social mais satisfatória que consegui até hoje foi um atropelamento e, uma vez que sou naturalmente inepto em conseguir me relacionar sequer com um xaxim, quanto mais com uma lesma ou similar, lhe peço: faça logo sua parte e me trate como o protozoário que sou me expulsando daqui como um vírus e tornando minha existência miserável um pouco menos vazia, obrigado".
* Hordas saem dos cinemas em direção à loja de discos mais próxima em busca da trilha sonora do que assistiram sem ao menos se dar ao respeito de pesquisar sobre tal. Serve qualquer coisa. Desde que os faça prolongar um pouquinho mais a sensação de imersão na irrealidade que acabaram de ter - mais ou menos como quando você esfrega a cocaína na gengiva tentando enganar seus neurotransmissores por mais um tempinho.
* Comprar um lança-chamas é mais fácil e barato que imaginei.
* Mazela mundial, teu nome é carência.