Me diga uma coisa...
(errou. tente aqui, agora)
Por acaso, nesses últimos tempos, você...
... descobriu que obtém uma satisfação inversamente proporcional ao tempo que leva em seu trajeto "trabalho-casa"?
... passou a se demorar nos cadernos político-econômicos à razão do tempo que dedicava aos de cultura?
... hesitou, pela primeira vez, em mandar um vendedor de seguro-saúde ao diabo - pelo telefone?
... escutou um leve sibilar causado pelo atrito entre duas linhas de interesse outrora equidistantes: boletins meteorológicos e saídas noturnas?
... sentiu que sua já estabelecida afeição pelo controle remoto tornou-se uma instituição protocolar?
... faz direitinho sua lição de casa, mantendo-se o mais clinicamente distante de reminiscências, encontros de turmas, tributos e outras xaropices, até mesmo atravessando a rua pra não cumprimentar um Muro das Lamentações Ambulante desses que andam impunemente soltos por aí?
... repentinamente descobriu que a razão de ter regulado seu celular para apitar de hora em hora foi para relevá-las - em contraponto às milhares que nem notou passar?
... notou que a sedimentação de fotos, textos e tickets de eventos ocorridos há mais de dez anos poderiam perfeitamente pavimentar seu quarto - em duas camadas?
... sente-se contemporâneo de expressões e/ou nomes como "Turma da Saldanha", "801", "Poeta Maldito", "Estação Primeira", "Coliseu", "Street Beer (sic)", "domingo no Sheena", "Música Viva", "Max Headroom", "Trendie", "BIG", "Twin Peaks na Globo", "Cemitério de Elefantes", "Juventude Libertária (eca)", "Punks 77", "comprei na Noi", "Betamax", "mistura isso com Wacholder" - quase todas de difícil compreensão para quem é uns cinco anos mais novo que você?
Na hipótese de você ter se identificado com pelo menos três das características acima, acredito que uma sensação igualmente desconfortável deva ter cruzado seu pâncreas caso tenha lido, sexta passada, uma matéria no Caderno G da Gazeta tratando de nossa querida Saldanha Marinho. (Tentei colar o link aqui, mas não consigo entender porque somente quem tem conexão discada pode ter acesso às matérias on-line antigas da Gazeta.)
Uma sensação assim, como direi, como se uma parte de sua vida (já não tão notória por excelência) de repente soasse como algo digno de nota, simplesmente porque essa pestilência se fortalece em lembranças rosadas de quem quase nunca esteve lá. Pegue uma lata de verniz da marca "nostalgia" e transforme um lugar como o "Kiss Dance", por exemplo, em algo que valha mais do que a bobagem que sempre foi.
Ora, façam-me o favor.