Beggar's banquet
(errou. tente aqui, agora)
Me lembro como se tivesse realmente acontecido: imediatamente após baixar o copo na mesa, com o resto da cerveja ainda estalando na língua, meu amigo pergunta:
- Como assim, "não gosto de poesia"?
Me lembro também: suas sobrancelhas nesse momento estavam separadas por aquele amontoadinho de pele enrugada que só as grandes indignações são capazes de produzir. Diante disso, contemporizei:
- Nâo é bem isso. Acho que a expressão correta seria "não entendo poesia".
Já eram umas nove horas da noite e a profecia estava prestes a se tornar um fato. Aquela que determina que todo convite para "tomar uma cervejinha depois do expediente e botar a conversa em dia" irá se transformar num lento arrastar de ossos após os primeiros 120 minutos. Nunca falha. E as favas estavam ainda mais contadas tendo em vista que o indignado não me via há anos. E, como o amontoadinho de pele não desaparecia, emendei:
- Ou melhor: entendo sim. Mas só as "poesias de macho" do Planeta Diário. Lembra? "O que me importa se a chamam de burra?/ a gente não conversa:/ eu enfio, ela zurra". Ou aquela: "O que me importa sua cara chumbrega?/ ela fica de quatro/ eu lhe arrebento as...
- Tá, tá. Já entendi.
E ficou olhando o infinito através da prateleira de bebidas do Maneco's. Dali alguns minutos, um pouco depois do acerto da conta e já na calçada para o "pois é, precisamos nos ver mais" e o "me liga, você tem meu número", pensei em lhe dizer a verdade: sim, existem coisas do Lautreamont, Houédard, Pound, Borges e principalmente do Seiichi Niikumi que me agradam - o mesmo jamais ocorrendo com Baudelé e Rambô. Menos pelo fato de serem unanimidades (e detesto unanimidades) e mais porque aquela ladainha indulgente me irrita, mesmo. Mas, como minha intenção não era mais arrefecer coisa alguma, despedi-me e deixei-o a sós com seu desconforto.
Me lembrei disso, na verdade, depois que li a lista dos melhores filmes sci-fi de todos os tempos que o "The Guardian" divulgou - segundo consulta a 60 dos mais importantes cientistas do mundo. Mesmo porque uma grande verdade, para mim, são duas: toda poesia é um saco, salvo exceções quase inexistentes. E nenhum exemplar da melhor poesia já escrita chegará aos pés da ficção científica mais chula já desavergonhadamente impressa. Fodam-se o Grupo Noigrandes, Julio Campal, Enrique Uribe, Neruda e Ivo Vroom. Dêem-me meu K.Dick, meu Bradbury, meu Asimov e todos os escritores baratos da espécie mais rasteira de literatura. Uma transubstanciação de H.G. Wells e Fred Hoyle produziria um vinho Campo Largo, de tão bom.
Tá certo que senti falta do primeiro Jornada nas Estrelas nessa lista. Mesmo assim, meu paladar pouco refinado e muito estragado agradece.