Fala que eu te escuto
(errou. tente aqui, agora)
Aproveite a oportunidade que só esses tempos de high exposure podem oferecer: a de conhecer um pouco mais a seu próprio respeito - de uma forma, assim, mais plena. Eu, por exemplo, descobri algo bem bacana: tenho um macaco branco agarrado às minhas costas. Isso mesmo. Desses que se alimentam dos padrões químicos que determinadas sensações obrigam a pele a soltar no ambiente.
Sabe feromônio? É cientificamente comprovado que essa substância atrai o sexo oposto, da mesma forma que sabemos que alguns animais farejam o medo e que alguns outros animais ainda menos inteligentes afirmam que a luz solar lhes bastam, convocando meio mundo em convenções, palestras, reuniões condominiais e livros de auto-ajuda a deixar de lado o feijãozinho, o arrozinho, a batatinha e o pato à califórnia. Pois meu macaco vai além. Ele faz síntese protéica a partir do que há de mais abundante em nossa sociedade: o constrangimento, a vergonha e a descompostura alheia.
Lembra quando você abriu aquela porta e sem querer flagrou um casal em pleno exercício de troca de ofensas? Daquelas que revelam os detalhes mais sórdidos dos envolvidos? Naquele primeiro momento você se encolheu, pediu desculpas e retirou-se o mais rápido possível. Pois se meu macaco estivesse lá ele pediria o galheteiro. E encararia a coisa toda como o mais saboroso substrato de glicogênio.
Meu macaco é feio, gordo e assusta. Desses que se registram ao meio dia na casa de quem não tem um minuto a perder, pois o tempo urgiu e desde então já dá pra ver as tripinhas e parafuzinhos que o efeito bullet time deixa na atmosfera.
E todo esse mundo de descobertas graças unicamente a você, meu caro desconhecido. Simplesmente porque estou parado ali na fila, aguardando minha vez de abastecer meu celular e você aparece do nada, aponta para a revista que tenho nas mãos à altura dos olhos e pergunta, sorrindo: - E o Lula, hein?
E você não me conhece. Não sabe quem sou e nunca na vida me perguntou qual faixa do Boatman's Call eu odeio mais. Sendo que, de minha parte, não faço a menor questão em saber de qual cloaca infernal você foi expelido - desde que volte pra lá o quanto antes. No entanto você continua ali, sorrindo, aguardando o feedback. Esperando o "cling" do contato. Salivando de antecipação pelo "clong" da acoplagem.
E a providência existe pois, bem nessa hora, meus óculos deslizam até a ponta do meu nariz. O que me propicia duas coisas, a saber: fulminar-lhe apropriadamente por sobre as lentes e, em seguida, ajeitá-los com o auxílio do meu dedo médio - o mesmo que trago já estendido lá de baixo e que faço desfilar lentamente todo o caminho de volta, bem à sua frente. Só aí eu digo:
- Que Lula?
E então seu silêncio é o maná do meu macaco. O lento desaparecer do seu odioso sorriso é o shazam que ele precisa. O seu espinafre. O "aiô silver" nosso de cada dia. O "giz de feetal" que vale por um bifinho. E é tudo o que me ajuda a dimensionar o estardalhaço que preenche a pequena lotérica ao nosso redor e que brota da garganta do meu feio macaco branco - nesse momento sendo saciado aos limites da indecência.
Por fim, há uma outra coisa que também descubro nesse momento: meu macaco talvez seja a criatura mais afortunada do universo. Não é apenas o vitrinismo beirando a anulação individual que transborda por esses dias. Em meio a todo esse corporativismo moderno, toda essa administração "new age", toda essa busca pela excelência que transforma seguranças de estacionamento em hostess de boate - não há como meu pobre macaco passar um dia que seja sem empanturrar-se feito um frade.
Férteis e fartos campos estendem-se de horizonte a horizonte ao alcance de sua áspera e sedenta língua.