Perfectomondo
(errou. tente aqui, agora)
Um dia terei reunido número suficiente para compor meu exército de soldados omissos. Nesse dia publicarei e elevarei à condição de Constituição meu Manifesto pela Manutenção da Falha Humana. Meu mundo perfeito começará nesse dia.
Uma quantidade suficientemente razoável de indivíduos decididos a marchar por sobre o Mundo Corporativo Moderno, dobrá-lo como mato seco e rechear o ar em volta com as cinzas de seus preceitos infalíveis.
Abriremos clareiras no centro de praças e o brilho causado pelo incêndio nos livros do Lair Ribeiro poderá ser visto em Marte. O brilho causado pelo incêndio no próprio Lair Ribeiro quero que não seja visto por ninguém - numa espécie de homenagem final à altura de sua importância.
A visão mais linda de todas as visões mais lindas: milhares acompanharão através de uma TV prestes a pifar os resultados de uma gigantesca cruzada em nome da negligência e do descaso. A busca pela imperfeição será a ordem de todos os dias. A falta de valores será valorizada como nunca desde Calígula. O colapso resultante dará o tom das cores desse meu novo Midgard.
Sem perceber, você acordará num dia de 17 horas. No outro, a noite demorará uma semana para surgir. A soma de tanto desmazelo será suficiente para alterar a rotação da Terra. Compromissos serão matéria-prima de piadas desgastadas pelo uso e pelo tempo.
Batizarei meu exército com a versão gaélica do inglês "kiss my ass": Pogue Mahone - e erguerei uma estátua do tamanho de um prédio com a figura daquele que a cunhou primeiro: Shane MacGowan. Ou melhor: construirei milhares de estatuazinhas dele e as espalharei por toda parte para que todos possam tropeçar em cima, num mundo onde a incúria será o lema dominante.
No mundo que penso em lhe deixar como herança, tudo funcionará mais ou menos somente uma vez. Na próxima tentativa, o grampeador que você tem em mãos se partirá ao meio, a chave entortará na ignição e o isqueiro explodirá seus dedos, transubstanciando lenda em fato. De lado a lado, do alto do prédio mais torto e mais alto, 360 graus de outros prédios inclinados recortarão o horizonte do meu paraíso desleixado.
E você, cara senhora, idosa e simpática, com seu passo miudinho e sua roupa branca, será o General de minhas tropas. Você mesma, que ontem vi desembrulhando um sorvete na esquina da Getúlio Vargas com a Ângelo Sampaio, jogando em seguida o papel melecado numa lixeira.
E que, igualmente em seguida, sem sequer olhar para os lados, decidida e serena, enfiou a mão nessa mesma lixeira, recuperou esse mesmo embrulho e o jogou novamente - dessa vez na grama.
Sinceramente, não quero nem saber quais foram seus motivos e muito menos perder tempo em descrever meu impacto. Ninguém quer saber o que sentiram aqueles que viram Genghis Khan pela primeira vez. A legenda simplesmente passa - como você passou devagarinho em frente ao meu carro - e o que resta ao nosso alcance é dar um pouco mais de sobrevida àquilo que isoladamente percebemos numa seqüência de segundos.
Às civilizações que isoladamente criamos e destruímos entre o vermelho e o verde de um semáforo.
(ah, sim: feliz natal, cambada.)