12.1.06
 
My own private Duckburg

(errou. tente aqui, agora)

Há coisas que me fazem acreditar cada vez mais na teoria de que atravessamos a vida dentro de um túnel invisível, cujo comprimento é a extensão da própria e que nos torna - aos olhos dos outros - ainda mais invisíveis que o próprio túnel.

Dentro da única forma de poesia que acho aceitável - a física quântica - você caminha pelo túnel sem perceber. E sem perceber você toma e deixa de tomar atitudes que influem diretamente na vida de seu doppelgänger (lembra? O seu alter-ego. Aquele mesmo que está distante de você em cerca de 10 elevado a 10 elevado a 28 metros, num outro universo igualzinho ao seu) sendo que do lado de lá ele faz o mesmo, alterando os rumos da sua.

Sim, alterando. A hipótese mais aceita hoje em dia é a de que não importa o que você faça aqui, não há jeito de influenciar o que acontece lá. Mas, em se tratando desse tipo específico de física, o mais legal é poder discordar completamente de verdadeiros gênios no assunto. Simplesmente porque não existe nada palpável acerca dela, o que deixa minha teoria - teoricamente falando - tão boa quanto a de um desses Hawkins aí.

Aqui você desvia o pé de um caco de vidro e condena o seu outro eu lá do outro lado a passar o resto da vida com uma cicatriz no tornozelo. Lá ele atende um telefone e faz você aqui passar dez anos sem saber o que teria acontecido caso você tivesse saído a tempo do banheiro para atender aquela ligação inesperada e anônima.

Mas você sabe que isso é fácil demais para ser aceito. O negócio sempre foi criar subplots dentro de plots, complicar um pouco para que o interese da audiência não vire o leme para a novela das seis. Você imagina que só existam você e seu duplo-eu, mas na verdade existe uma infinidade de vocês. Como também acredito que o universo é tão desprovido de sentido a ponto de querer economizar espaço dentro do próprio infinito, também acredito que o universo é um pote de vidro com a cara do Gansolino e cheio de balas M&Ms - cada uma delas representando um universo possível.

Recentemente fizeram um teste disso, numa universidade dessas. Descobriram que as balas M&Ms são a forma geométrica mais economizadora de espaço de todo nosso mundo. Você bota um monte delas num pote de maionese e chacoalha. Lá dentro você vê, maravilhado, o quão perfeitamente elas se encaixam umas às outras. Você chacoalha de novo e faz com que pelo menos um de seus doppelgängers - lá longe, distante de você em cerca de 10 elevado a 10 elevado a 28 metros, num outro universo - passe uma tarde recolhendo balas do chão.

Aí você imagina: ele se revolta, acende um cigarro e espalma a mão numa mesa enquanto segura uma faca Ginsu com a outra. Ele respira fundo três vezes e então começa o pôquer pirata. As chances são realmente muito, muito pequenas mas, com alguma sorte e determinação, talvez ele lhe arranque o polegar em puro sinal de protesto.

Há coisas que me fazem acreditar cada vez mais na teoria de que atravessamos a vida dentro de um túnel invisível e ontem, enquanto caminhava distraidamente por dentro de um deles, acabei descobrindo a existência de suas janelas. Foi rápido como não deveria deixar de ser: saí do estacionamento onde costumo deixar meu carro e comecei a atravessar a rua em direção a um ônibus leito de 14 toneladas desenvolvendo uma velocidade de 80km/h.

A janela do túnel se abriu no exato instante em que a carroceria polida do ônibus passava sua logomarca da Itapemirim a centímetros do meu nariz, fazendo o deslocamento do ar à sua volta acertar em cheio meu tímpano esquerdo. E foi por ela que pude ver a mim mesmo, pelo menos um de meus infinitos eus, imobilizado numa cama e tendo a nuca assoada por uma mão solícita a cada espirro mais forte - pelo resto da vida.

Chegar em casa e encontrar seu cunhado de cuecas assistindo seus DVDs e tomando sua cerveja, descobrir que não se está tão sozinho naquela rua escura, ouvir essa música, retirar a mão do exaustor no exato instante que a energia retorna. Existem milhares de situações que o fazem sentir-se vivo como nunca. Mas ficar ali parado, à beira da calçada, acompanhando um monstro amarelo sumir na distância enquanto se sente nas entranhas o extermínio de uma geração inteira de você mesmo... isso definitivamente deveria estar no topo de qualquer lista.

 

 


Faltam apenas para o seu mais espetacular acerto de contas contigo mesmo.
TRALHA ENCOSTADA NO CANTO:
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